Gen Ref José Batista de Queiroz
Você, que hoje está iniciando a carreira das armas,
certamente já ouviu muitas coisas sobre governos militares. Ouviu falar de
ditadura, tortura, arbitrariedade. Só ouviu coisas ruins. Nunca falaram dos
guerrilheiros, de suas atrocidades, de seus atentados. Nunca lhe contaram a
verdade. Por isso, quero deixar pra você esta mensagem de 50 anos de caserna.
Sou isento e equidistante de todas as paixões. Os extremos sempre me fizeram
mal. Nasci e me criei no sertão mineiro. Lá estudei e trabalhei como camponês.
Convivi com pessoas simples. No campo, a simplicidade é verdejante como relva
nas veredas.
Um dia, ingressei no Exército, onde me ensinaram novamente
as coisas do sertão e muitas outras. No Exército, senti-me como alguém que
escala a montanha e descobre a planície. Na planície, a democracia e o
comunismo travavam uma luta de vida e de morte. A gente estava entre o mar e o
rochedo. Era uma realidade muito distante da de hoje.
Minha opção foi pela democracia, onde a liberdade tem a sua
morada. Ela me recordava o passado. Tinha a magia dos campos, dos rios, das
florestas. Tinha o cheiro da virtude e a beleza da oração. Era o útero materno
da liberdade. Já o comunismo me dava a sensação de brutalidade, de escravidão,
de truculência. Representava um mundo sem encanto, sem primavera. Mais parecia
um deserto sem oásis, um mundo sem prece e sem Deus. Era a matriz da heresia e
do profano..
Com o tempo, percebi que a democracia tinha suas falhas,
suas injustiças, suas misérias. Neste mundo nada é perfeito. O que me parecia
mais certo era corrigir os erros, melhorar a democracia, fazê-la produzir bons
frutos. Substituí-la pelo comunismo seria o mesmo que trocar o vale pelo
deserto, a esperança pela incerteza. Bani-la é abdicar da liberdade. A sua
grande deficiência não está no conteúdo, mas nas pessoas que a fazem, nas
instituições que a governam. O que ela precisa é de pessoas que lhe dão vida,
energia e justiça.
No início dos anos 60, o sonho do comunismo alastrou-se pelo
mundo, como as heras se alastram pelos muros. Muitos países acreditaram no
canto da sereia. Muitos povos sentiram-se atraídos por miragens. Quem está à
morte acredita até no milagre do diabo. O canto socialista ecoou como serenata
aos ouvidos das democracias fragilizadas e moribundas. O Brasil era uma delas.
Estava mórbido e enfraquecido. Suas Instituições tinham a solidez das cascas.
Mais parecia uma árvore retorcida no cerrado, pronta a se entregar ao sopro do
vento, do que um coqueiro ereto na praia, resistindo à ventania do mar. O
comunismo usou o bem dourado da democracia – a liberdade – para infectar a
sociedade e carunchar as instituições.
Ele nunca abre mão da liberdade quando está na oposição, mas
sempre a excomunga quando está no poder. O comunismo rejeita o contraditório.
Não aceita oposição nem pluralidade. Só aceita o partido único. Todos os países
comunistas da época eram assim e agiam desta forma. Fidel Castro mandou
executar milhares de dissidentes cubanos e Stalin milhões de cidadãos russos. O
crime que cometeram as vítimas era opor-se ao regime.
No Brasil, o comunismo avançava a passos largos, ameaçando
de escuridão a democracia e de morte a liberdade. Seus defensores sonhavam com
a União Soviética, com a China, com Cuba e com todos os países onde a bandeira
da liberdade tinha sido arriada para sempre. Seus ideais não eram os mesmos
daqueles muitos brasileiros que deixaram o seu sangue e a sua vida em solo
europeu na luta contra a tirania hitleriana.
Essa ameaça comunista às tradições de nosso povo gerou uma
reação da sociedade. Todos foram às ruas de mãos dadas, contra o esmagamento da
democracia no Brasil. Sem tiro e sem morte, o povo celebrou a vitória. Vitória
do navio contra as ondas do mar, do barco contra o banzeiro dos rios...
Os solistas do comunismo ficaram tristes, frustrados e
solitários. Era o fim de uma ameaça e o começo de uma luta. Luta em prol de
homens livres, de uma sociedade aberta. O funeral da democracia foi
interrompido pela vontade de um povo. Essa realidade também ocorreu em vários
países.
Inconformados com a derrota, os radicais do comunismo
iniciaram uma luta armada. Praticaram atos de violência, torturas, assaltos,
assassinatos. Queriam o poder à custa de sangue. Diziam lutar pela restauração
da democracia. Seus aliados e patrocinadores, porém, eram países comunistas,
onde milhares de cidadãos foram executados. Seus líderes eram Stalin e Fidel
Castro. Seu ideal era conquistar o poder e incinerar a liberdade.
A democracia brasileira se restabeleceu. A incerteza deu
lugar à esperança. O Brasil amadureceu e nós brasileiros também. O trabalho de
todos era construir uma democracia mais sólida, mais justa, mais inclusiva.
Em meados dos anos 80, o mundo assistiu à derrocada do
comunismo. Seus tempos de energia tinham chegado ao fim. Não era mais capaz de
atrair nem empolgar as massas com seus dogmas. A essência de sua doutrina
desmoronou-se aos olhos do mundo. Não passava de um castelo de areia.
No Brasil, até mesmo os comunistas mais radicais retiraram
esse nome de suas siglas partidárias. Os militares recolheram-se aos quartéis,
dedicando-se inteiramente às atividades profissionais. A Constituição de 1988
restabeleceu a plenitude democrática e o Estado de Direito. Os comunistas
abandonaram a sua ideologia ortodoxa. Muitos migraram para outros partidos.
Em 2002, a esquerda chegou ao poder. O povo brasileiro
assistiu a essa mudança com a naturalidade de um país amadurecido, preocupado
em dar mais vigor à democracia, em construir um futuro melhor.
Ao contrário do comunismo, a democracia admite a
alternância, a pluralidade, o contraditório. Alguns adversários, porém,
aproveitando-se do poder, fazem tudo para obstruir a conciliação. Com espírito
revanchista, querem a todo custo reinterpretar a Lei da Anistia e colocar
militares no banco dos réus. Não estão interessados no futuro, mas no passado.
Sua obsessão não são os problemas de milhões de brasileiros, mas a punição de meia
dúzia de pessoas. Por meio delas querem atingir as Forças Armadas e todos os
militares. Seu ideal não é a conciliação, mas a vingança, própria dos ditadores
e dos regimes autoritários.
É muito difícil conviver com essas pessoas. Hoje se julgam
donos do poder, donos do Brasil. Um dia, porém, não estarão mais lá. A
democracia nos dá o direito da livre escolha. Uma escolha sem fraudes, sem
mutilações. É o que desejamos e o que esperamos. Ela nos dá também esperança. A
mesma dos rios que sonham com o mar, a mesma do sol que espera o dia. Esperança
e futuro são indissociáveis. Estão ligados entre si como a montanha à planície,
como o oceano à terra, como a vida à morte. As Forças Armadas são como águas
que nunca param de correr. São Instituições permanentes, imantadas de vida, de
tradições, de amor ao Brasil. Elas se destinam à defesa da Pátria, dos poderes
constitucionais. É o que reza a Constituição. Elas representam a alma de nossa
gente. Jamais permitirão afronta à Soberania e quebra da Unidade Nacional. Não
são vontades destoantes e revanchistas que irão ofuscar as instituições
militares. Por mais que queiram, não conseguirão sobrepor seu desejo de
vingança ao espírito conciliador do nosso povo. Os homens são árvores que
morrem, são vidas que acabam, são dias que anoitecem. Não são como as
Instituições, que têm vida própria.
A democracia é mais forte do que eles. Ela é um patrimônio
do povo brasileiro. É o altar onde brilha a nossa liberdade. É o núcleo de
nossa história, a pedra que enfrenta o tempo. É na democracia que depositamos a
nossa fé e esperança. Ela é o caminho de nosso destino e o desejo de nossa
gente.
A maior arma da democracia não é a espada, mas o amor que o
povo tem à liberdade. Esta é como o vento suave que roça o mar, a terra e o
céu. Aquela é como a chuva forte que alimenta os campos, os rios e as matas.
A única maneira de nos afastarmos de ditaduras é
aperfeiçoando o desempenho da democracia e iluminando o sorriso da liberdade.
P.S. Fica autorizada e publicação da presente carta.