Obs: dia 25 de Agosto é o dia do Soldado, então não posso deixar de republicar aqui este texto maravilhoso de Flávio Oscar Maurer revelando o nosso verdadeiro espiríto de SOLDADO.
Profissão de fé
Ser soldado é uma profissão de fé. A
grande maioria dos militares, quando ingressa na carreira, não é levada por
nenhum outro motivo que não o de servir à pátria. Os vínculos que os prendem ao
seu país e à sua gente são de tamanha profundidade que, para eles, o ato de ser
soldado vai muito além de simplesmente vestir uma farda e cumprir com as
obrigações decorrentes da vida na caserna. O soldado tem no seu elenco de
valores um profundo sentimento de interação com a pátria, que é essencialmente
dinâmico e começa no compromisso de colocar todo seu potencial intelectual e
físico inteiramente ao serviço dela, culminando com o juramento solene de
defendê-la com o sacrifício da própria vida.
É uma relação muitas vezes não
compreendida por integrantes de outros segmentos da sociedade, principalmente
nos momentos de crise da nação, quando o compromisso de lealdade do soldado para
com os destinos de sua pátria atinge a sublimação, para o bem ou para o mal de
ambos. Engana-se quem pensa que o soldado, quando passa à inatividade, livra-se
das servidões da sua profissão, abandona seus valores, sente-se descompromissado
com o solene juramento que fez quando ainda jovem. Ao contrário, a simbologia da
farda, expressa no ato de servir à pátria, continua presente no seu estado de
espírito, como uma segunda pele a acompanhá-lo até a
morte.
Jamais um soldado assistirá impassível a
sua pátria ser vilipendiada e humilhada. Mesmo açoitado pelo tempo, carcomido
pela idade, fragilizado fisicamente, mesmo sem poder expressar a sua
inconformidade, ele será sempre parte do solo, dos rios, das florestas, do povo
de seu país e seu coração será o primeiro e o último a chorar por
ele.
A Legião da Infantaria é uma confraria de
soldados “pé de poeira” da ativa e da reserva que se reúnem periodicamente para
recordar velhos tempos, contar velhas histórias, trocar idéias com os mais
jovens e saber deles o que está acontecendo de novo na arma do combate
aproximado.
No último dia dois de abril, a Legião da
Infantaria se reuniu no quartel do 19º Batalhão de Infantaria Motorizado,
em São
Leopoldo , onde, além da confraternização entre os companheiros
do presente e do passado, a missão de paz no Haiti, com a duração de seis meses,
cumprida pela Unidade e recentemente encerrada, foi relatada aos
presentes.
Presente à reunião, gozando de excelente
saúde, lépido, esguio, completamente lúcido, lá estava o Gen Marsillac que do
alto dos seus 89 anos era o decano dos legionários, mas que, com sua jovialidade
contagiante, irradiou bom humor e otimismo aos mais jovens. Em dado momento,
porém, o velho general foi tomado pela emoção. Após o canto da canção da
Infantaria, aqueles que compartilhavam a mesa em que ele se encontrava viram
seus olhos se embaçarem e as palavras que pronunciou ali, naquele círculo
restrito, expressaram com rara propriedade a genuína alma do soldado,
interpretada no início deste comentário.
Falou o Gen Marsillac do seu sonho de que
as Unidades do Exército permanecessem com suas denominações originais. Assim
como, por exemplo, na Inglaterra, onde o 7º Regimento de Lanceiros da Índia
mantém o seu nome original há mais de 300 anos, desde o dia em que foi criado,
independentemente de sua constituição ou subordinação. Nesta linha de
raciocínio, são as denominações históricas dos Batalhões de Caçadores, dos
Grupos de Artilharia de Dorso que marcam a mente do general que, convenhamos, se
mantidas, não tirariam nem um pouco da operacionalidade e do charme das Unidades
de hoje.
Em
outro momento, lembrou da euforia que ainda hoje sente, como uma injeção de
vida, toda vez que, em casa antes de sair, coloca o distintivo ou a insígnia da
Unidade onde participará de uma solenidade para a qual foi convidado. Pondo a
mão no ombro do companheiro do lado, o velho general com o rosto emocionado
revelou que este é para ele um momento mágico de renovação, no qual ele
volta a ser o tenente do
passado, se preparando para cumprir seu expediente no quartel. Falou também do seu tempo de jovem oficial,
recém saído da Escola Militar de Realengo, quando nem sequer sabia direito qual
o seu salário mensal, diante da vida simples que levava e dos afazeres que lhe
assoberbavam o dia-a-dia no quartel.
A emoção do momento, também fez o velho
soldado de infantaria revelar um desejo que talvez só a família soubesse. Quando
morrer, ele quer ser cremado e quer que as suas cinzas sejam lançadas sobre a
terra nua defronte a estátua do Brigadeiro Sampaio, na praça ao final da Rua da
Praia, próxima ao Gasômetro, erigida em homenagem ao Patrono da Infantaria. Na
verdade, a vontade do velho infante é uma atitude que expressa a materialização
de uma simbologia extremamente significativa para um integrante de sua Arma: de
um “pé de poeira” que retorna às origens.
O
relato do pensamento lúcido, puro e autêntico de um soldado de 88 anos só vem a
confirmar a premissa de que o espírito militar do soldado não fenece com o
tempo. O compromisso de servir à pátria é uma chama viva que arde no peito de
cada soldado, não importa a idade. Para defendê-la nos momentos de perigo não é
preciso que ele seja convocado. Atender ao chamado da pátria faz parte de um
compromisso solene que o soldado assumiu na oportunidade em que a vocação lhe
mostrou o caminho da carreira das armas.
Flávio Oscar
Maurer